sábado, 8 de agosto de 2009

MONOGRAFIA elaborada pelo Missionário Pedro (Marcos) quando trabalhava e estudava em Piracicaba SP - permissão cedida pelo autor.

INTRODUÇÃO



Este estudo tem o objetivo de apresentar a misericórdia sob a parábola do filho pródigo (Lc 15, 11-32), tudo isto não é possível se não pela potência do Espírito que se manifesta na nossa fraqueza, veremos que ter misericórdia significa compadecer-se (miserior) no coração (cordis) em relação ao outro a até ao próprio inimigo, compreender como somos todos e, conseqüentemente, perdoar .
Seremos fortes contra o mal e mansos com o pecador, claros, transparentes e íntegros na verdade, misericordiosos e compreensivos com os irmãos, capazes de denunciar a injustiça e de perdoar com amor de gritar contra o pecado e de abraçar com ternura o irmão que volta à casa do Pai de nos consumir e ferir na busca da ovelha perdida (Lc 15,4-7), estaremos prontos a nos reconhecer pecadores e capazes de perdoar a nós mesmos, acolhendo o perdão do Pai , porque : “quem se culpa perante Deus é por ele desculpado” (Sto. Agostinho).
O nosso estudo é composto por dois capítulos, no primeiro é colocado o conceito de Misericórdia na Bíblia, tanto no Antigo Testamento como no Novo, coloco algumas citações bíblicas da qual refere-se a esta misericórdia da qual somos chamados a cantá-la eternamente, já no segundo capítulo enfoco em especial o evangelho de São Lucas, desenvolvendo a parábola com uma explicação das atitudes dos filhos quanto à do pai.
Este estudo monográfico é conseqüência de uma vida, uma historia vivida à luz da misericórdia, na qual acima de tudo olha para o olhar misericordioso do Senhor que pousa sobre nossas feridas e pela a nossa humanidade ferida, o pecador que volta seja o mais amado entre os irmãos, porque “... o amor cobre uma multidão de pecados” (IPd 4,8), que possamos derramar por ele as lágrimas da espera a fim de que, voltando, encontre sempre a porta aberta, os braços estendidos, o olhar amigo, o amor Misericordioso do Pai e do Filho, no Espírito Santo, Senhor que dá a vida. (Lc 15,11 ss).
Apresento brevemente o conteúdo de cada uma das partes deste trabalho e coloco algumas indicações práticas, de caráter metodológico, para a leitura orante, Deus é rico em misericórdia (Ef 2,4), pois ama sem limites, incondicionalmente. Todos experimentarão, sem dúvida, algo da riqueza da parábola, a qual está condensado o que constitui a medula e o coração de todo o evangelho de Jesus . ‘Deus é misericórdia”.





















1 CONCEITO DE MISERICÓRDIA NO ANTIGO E NOVO TESTAMENTO



MISERICÓRDIA : O termo hebraico hesed é traduzido na LXX por eleos e na vulgata, por misericórdia, mas a tradução não é feliz. Os estudiosos concordam em que a atitude divina e humana indicada pelo termo hesed é fundamental na religião e na moral hebraicas. Neste artigo apresentamos uma descrição bastante sumária do uso do termo . Gilvander Moreira afirma que, de acordo com a história pode ser dito que a compaixão / misericórdia é uma raiz com dupla direção .
Pode se ver claramente o significado de hesed estudando o termo com quais ele aparece associado. Não se deve procurar uma coerência perfeita, porque há uma evolução no uso do termo através dos séculos, entretanto o termo apresenta um significado fundamental que modifica mas não muda substancialmente. O termo mais comumente usado junto com hesed é ‘emet (FÉ) que significa “firmeza”, “resolução”, “fidelidade”. Assim hesed é associado com a qualidade que torna uma pessoa confiada e digna de fé. Quando os dois tiver aparecem unidos significa hesed seguro. Hesed é algo que alguém possa fazer por outro, seja Deus (Gn 24,12) seja homem (Gn 40,14); nesses exemplos, a pessoa que faz hesed esta em posição superior, e na historia de Jose é devolução de um favor esperado. Mas quando Abner faz hesed para a casa de Saul, (2sm 3,8) ele esta fazendo aquilo que se espera de um dependente fiel. Neste e em outros exemplos similares, o termo parece sugerir que uma pessoa faz algo que não é obrigada a fazer mas o objeto da ação depende de alguém que faz algo por generosidade e não por obrigação. A advertência que Ló recebe de sus hospedes para deixar Sodoma é um grande hesed (Gn 19,19): embora hospedeiro e hospede tornem-se membros da mesma família durante o período da hospitalidade, Ló parece considerar que seus hóspedes foram além de seu dever quando o salvaram. Em outros lugares espera-se hesed como componente norma das boas relações humanas. Quando o salmista maldiz seu inimigo deseja que ninguém lhe mostre hesed (Sl 109,12), porque o inimigo não o demonstrou (Sl 109,16). A sabedoria louva hesed como algo que assegura hesed e êxito para a própria pessoa (Pr 11,17; 14,22;19,22;21,21).
Hesed também é associado a mishpat, “juízo” que significa “justiça”. As duas virtudes constituem um aspecto da conversão almejada por Iahweh (Os 12,7 – Oséias trabalha muito sobre a misericórdia na literatura profética, ele torna símbolo do comportamento de Iahweh para com o seu povo, como ele usou de misericórdia para com o povo, Iahweh também usou também ) e são duas das três virtudes em que Miquéias faz consistir à vontade de Iahweh (Mq 6,8). Juntamente com o direito eles constituem os atributos da relação de Iahweh com os homens (Jr 9,23). (Zc 7,9) os impõe como deveres e eles são os primeiros atributos mencionados na enumeração das virtudes de um homem de governo (Sl 101,1). No juízo, hesed faz parte da função de um juiz não como árbitro, mas como libertador neste caso, ela pode ser concebida como vontade de salvar; (cf. Gn 19,19; 40,14). Hesed também aparece associado à “retidão”. São esses os atributos que Iahweh revela ao justo e aquele que os conhece (Sl 36,11; 40,11; 143,11s). A ultima dessas três passagens significa novamente “vontade de salvar”. Esses também são os atributos do governante humano, o rei davídico cujo o trono é consolidado (Is 16,5; o mesmo pensamento se apresenta em Pr 20,28): o hesed do rei é demonstrado em sua função de juiz.
Hesed é compreendido mais claramente como vontade de salvação em sua associação com ye-shua “salvação”, e termos análogos. O salmista que confia no hesed de Iahweh exulta com a salvação de Iahweh (Sl 13,16) e pede que Iahweh demonstre o seu hesed garantindo a sua salvação (Sl 85,8). O mesmo elemento aparece na associação de hesed com Shalom-Paz (Sl 85,11). Quando Iahweh retira o seu hesed não há mais shalom (Jr 31,3). Outras passagens unem hesed com o mesmo sentimento: assim hesed não é apenas uma qualidade ou um atributo, mas também sentimento. Com jovem esposa de Iahweh, Israel demonstra hesed e carinho (Jr 2,2), na restauração de Israel, Iahweh demonstra seu hesed e amor para com Israel (Jr 31,3). Amiúde o termo, também parece unido a rahamîm outro temo de difícil tradução mas sua relação com rahamîm, “seio” , “ventre”, demonstra que ele indica um verdadeiro estado emotivo, sendo freqüentemente bem traduzido por “misericórdia” ou “piedade”. O sentimento de rahamîm se demonstra com aqueles que sofreram má sorte ou como aqueles que como crianças são indefesos; assim ele é observado nos pais, a cujo rahamîm é comparado a rahamîm de Iahweh (Sl 103,13). Os atos salvificos de Iahweh demonstram o seu hesed e o seu rahamîm por Israel (Is 63,7). E Iahweh também retira um e outro (Jr 16,5). Quando esposou Israel, Iahweh os demonstrou juntamente com a justiça e o direito (Os 2,21). Eles devem ser demonstrados pelos israelitas em relação aos outros (Zc 7,9). E o salmista se baseia nesses atributos para o perdão (Sl 25,6; 40,12; 51,3).
Hesed é freqüentemente associado á Aliança. Nos relatos da aliança de Ex (20,6; 34,6), a continuação do hesed de Iahweh em relação a Israel é condicionada pela fidelidade de Israel aos seus mandamentos. Iahweh sua aliança e o seu hesed para com aqueles que caminham diante dele (1Rs 8,23). A própria aliança é chamada de um hesed (Is 55,3). Essa união entre aliança e hesed pode ser notada especialmente na aliança através da qual é prometida uma dinastia eterna a Davi: a aliança é um hesed uma continuação de hesed, uma demonstração de hesed (2Sm 7,15; 1Rs 3,6; Sl 89,29,39,50), Embora se diga que a continuação de hesed dependa da fidelidade de Israel a aliança, esse é só um aspecto parcial do hesed na aliança. Isso porque a aliança é o hesed ao qual Israel e seus representantes recorrem como motivo pelo qual Iahweh perdoara sua infidelidade á própria aliança. O hesed de Iahweh é mais duradouro ao hesed de um homem, sendo um atributo misericordioso que mantêm boas relações mesmo quando os homens tentam destruí-lo (Ex 34,6; Nm 14,19; Jr 3,12s). Em conseqüência da Aliança Iahweh espera hesed de Israel (Os 4,1; 6,4-6). O contexto dessas passagens sugerem que hesed é mais desejável em relação a Iahweh do que em relação aos homens: o hesed para com Iahweh significa precisamente a firme vontade demonstrada pelo homem na maior parte dos significados exposto acima.
Como já mostramos acima o hesed de Iahweh as vezes indica ou implica sua vontade de salvação. Há algumas passagens em que o hesed aparece como gestos de vontade de Iahweh que inicia e sustenta a historia de Israel (Is 54,10; 63,7; Jr 31,3; Mq 7,20). Todas as histórias das relações de Iahweh com Israel pode ser resumida em hesed: esse motivo é dominante que aparece em seus atos o motivo que dá unidade e inteligibilidade a todas suas relações com os homens incluindo realidades como ira e o juízo isso é acentuado em muitas passagens que afirmam que o hesed de Iahweh dura para sempre (Is 54,8; 55,3; Jr 33,11; Mq 4,20;Sl 85,8; 90,14; 100,5; 106,1; 107,1). E isso preside a historia da salvação de Israel no futuro infinito. A persistência do hesed tende a identificá-lo com o próprio Iahweh ao passo que os outro atributos não são identificados claramente com ele – e a fazer do hesed de Iahweh a chave da compreensão do seu ser.
Essa enumeração de alguns do usos do termo explica por que um único termo não pode se espelhar na sua riqueza de significado. Já aludimos varias vezes a “vontade de salvar” mas essa seria uma tradução muito limitada. N. Gluck propôs relacionar o termo aliança considerando que ele indica amor e fidelidade que unem os membros de sua aliança. Outros estudiosos observam o que parece justamente que embora essa relação seja indicada em muitos contextos há ainda outros contextos em que hesed aparece não apensa como amor de aliança, mas também como impulso da vontade que dá inicio á aliança. O termo indica uma benevolência ampla e abrangente, uma vontade de fazer o bem aos outros, ao invés do mal. Não é exatamente o amor ou a gentileza, mas sim a bondade do coração, de onde nascem o amor e a gentileza.
O sentido da misericórdia é comum e está muito presente nas Sagradas Escrituras. No Antigo Testamento, ela é apresentada através da atitude de um “Deus quem escolhe um povo” e que se preocupa com ele, chegando vir ao seu encontro para libertá-lo : “Eu vi, eu vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu clamo por causa dos seus opressores: pois eu conheço suas angústias. Por isso desci para libertá-lo...” (Ex 3, 7-8). Por isso, o Deus da tradição judaico-cristã (quem é apresentado do Antigo Testamento) é o Deus quem se aproxima para salvar, e salva gratuitamente por amor. Conforme H.C.J. Matos , na experiência religiosa do povo de Israel o que predomina é a imagem de um Deus “feminino”, de um Deus que é movido pela misericórdia, e que acima de tudo, revela um coração extremamente terno e sensível diante da miséria, da dor e dos pecados dos homens. O significado da misericórdia é apresentado no Antigo Testamento com diversos termos deixando transparecer assim as diferenças de um livro para com outro nos aspectos que lhe são peculiares. Um outro termo alem de hesed citado acima é rahamim. Para João Paulo II , os dois termos transmitem o mesmo ideal misericordioso, contudo, enquanto que o termo hesed denota características masculinas, rahamim denota características do “amor de mãe” (considerando quem helem = seio materno). Esse termo dá origem a vários outros como bondade, ternura, compreensão, paciência e também prontidão para perdoar. Todavia, nessa descrição dos elementos semânticos fundamentais,
Aparece o verbo hebraico hãmal (que significa poupar o inimigo derrotado), quem também pode significar a manifestação de piedade, compaixão, e ainda, perdão e remissão dos pecados, considerando que “o temo hús exprime piedade e compaixão, mais isso. Sobretudo num sentido afetivo”. Além desses, aparece ainda o vocábulo emef que significa solidez, segurança e fidelidade.
O uso do Novo Testamento do termo grego Eleos é mais amplo do que sugere o termo “misericórdia”. Freqüentemente eleos aprece no contexto nos quais corresponde a hesed ou é usado em um modo que recorda hesed. Isso pode ser visto no Benedictus ou Magnificat de Lucas 1. Os evangelhos apresentam eleos como dever de um homem em relação ao próximo: Jesus aplica (Os 6,6) a esse dever e faz da sua atitude em relação aos pecadores o modelo de eleos. A sua é uma atitude de disponibilidade a unir-se aos pecadores, diversamente do exclusivismo dos escribas – e ele os convida a entrarem no reino de Deus (Mt 9,13). O mesmo versículo é citado por Jesus em (Mt 12,7) sobre o duro juízo dos fariseus em relação àqueles que não observam a tradição farisaicas e as interpretações da lei (Mt 23,23); mais uma vez a referencia é feita contra a rígida interpretação da lei. Nessas passagens, eleos significa liberalidade e tolerância. Jesus faz do eleos que se demonstra para com o próximo à condição do eleos que se pode esperar em Deus (Mt 5,7; 18,33). A profundidade do amor com o próximo é a demonstração do eleos (Lc 10,37) ; na parábola eleos é a oferta de assistência a quem necessita. Em (Mt 18,33), eleos é a disposição para perdoar e (Mt 5,7) muito provavelmente deve ser entendido nesse mesmo sentido. (Tg. 2,13) faz eco a esse sentido: no caso juízo sem eleos pode facilmente ser traduzido por juízo sem misericórdia. Eleos é um componente da sabedoria celeste; em contraste com a sabedoria terrestre ele se demonstra a sim mesmo no ato de fazer boas ações (Tg 3,17).
Muitas vezes o eleos de Deus aparece como vontade de salvar, fazendo eco ao uso veterotestamentário de hesed. Juntamente com seu amor é o eleos que move Deus para dar a vida em Jesus Cristo. É o eleos de Deus não os méritos de salvação (Tt 3,5). Em (Rm 9,22ss) eleos e ira são contrapostos como motivo das relações de Deus com os homens: a passagem é difícil, mas eleos é claramente a vontade de salvar, que já vimos.
Quando é o eleos de Deus, o elos do NT pode ser entendido muito mais facilmente como sua vontade salvífica, que é anterior a qualquer ato do homem. É ele que inicia e leva seu termo o processo de salvação em Cristo. Nos eleos esta muito próximo ao ágape, amor criativo ou amor cristão, ou ainda simplesmente caridade. E parece especialmente na boa vontade de fazer o bem e perdoar. Assim o termo misericórdia é uma tradução muito pobre. O eleos neotestamentário entra homens é transformado pela concepção neotestamentária em amor, de desenvolvimento revolucionário do NT que coloca na base do eleos uma motivação mais profunda naquela que encontramos no AT. Nos evangelhos sinóticos os termos: amor, misericórdia, graça, compaixão condizem com a atitude de Deus para com o ser humano através da pessoa de Jesus de Nazaré, Jesus é o próprio Deus em pessoa .






















2 Evangelho de Lucas



COMPOSIÇÃO E DATA Na composição do seu Evangelho, Lucas utilizou grande parte de materiais comuns a Marcos e Mateus, além dos que lhe são próprios e dos contatos com o Evangelho de João. Todos os materiais da tradição estão marcados pelo trabalho do autor, que se reflete quer na sua ordenação, quer no vocabulário, quer no estilo. A arte e a sensibilidade de LUCAS manifestam-se na sobriedade das suas observações, na delicadeza de atitudes, no dramatismo de certas narrações, na atmosfera de misericórdia das cenas com pecadores, mulher e se estrangeiros. (Lc 15). A composição deste Evangelho é situada por volta dos anos 80-90, porque Lucas deve ter conhecido o cerco e a destruição da cidade de Jerusalém por Tito, no ano 70.
DEDICATÓRIA E AUTOR O livro é dedicado a Teófilo, (amigo de Deus) mas destina-se a leitores cristãos de cultura grega, como se vê pela língua, pelo cuidado em explicar a geografia e usos da Palestina, pela omissão de discussões judaicas, pela consideração que tem pelos gentios, conforme a Bíblia de Jerusalém, este prólogo de Lucas assemelha-se aos dos historiadores da época helenística e que Teófilo pode não ser um cristão, mas um alto funcionário que deseja ficar bem informado. Segundo uma tradição antiga (Santo Irineu), o autor é Lucas, médico, discípulo de Paulo. Pelas suas características, este Evangelho encontra-se mais próximo da mentalidade do homem moderno: pela sua clareza, pelo cuidado nas explicações, pela sensibilidade e pela arte do seu autor. Lucas mostra o Filho de Deus como Salvador de todos os homens, com particular atenção aos pequeninos, pobres, pecadores e pagãos. Para ele, o Senhor é Mestre de vida, com todas as suas exigências e com o dom da graça, que o discípulo só pode acolher de coração aberto. Por isso, Lucas é o Evangelho da Salvação universal, anunciada pelo Profeta dos últimos tempos que convida discípulos profetas, aos quais envia o Espírito Santo, para que, por sua vez, sejam os profetas de todos os tempos e lugares (Lc 24,45-49; At 1,8).
O terceiro Evangelho é atribuído a Lucas, que também é o autor dos Atos dos Apóstolos. Segue os usos dos historiógrafos do seu tempo, mas a história que ele deseja apresentar é uma história iluminada pela fé no mistério da Paixão e Ressurreição do Senhor Jesus. O seu livro é um Evangelho, uma história santa, uma obra que apresenta a Boa-Nova da salvação centrada na pessoa de Jesus Cristo, Idéia de A. George , grande estudioso dos escritos lucanos. Entre esses testemunhos encontra-se, o de Santo Irineu, citado acima que, por volta do ano 180 d.C., atribuiu o terceiro Evangelho, juntamente com os Atos dos Apóstolos, a Lucas. Inúmeros exegetas colocam Lucas como discípulo de Paulo, uma vez que esse o cita três vezes em três de suas Cartas (C1 4,14; Flm 24;2 Tm 4,11) .

DIVISÃO E CONTEÚDO O esquema geral do livro é o mesmo que se encontra em Mateus e em Marcos: uma introdução, a pregação de Jesus na Galiléia, a sua viagem para Jerusalém, a Paixão e Ressurreição como cumprimento final da sua missão. A construção literária é elaborada com cuidado e reflete grande sensibilidade, procurando salientar os tempos e lugares da História da Salvação e pondo em evidência a projeção existencial do projeto evangélico. De acordo com J. konings Lucas transmite um ideal de salvação universal revelando sua imagem de Deus e de seu filho, que é misericórdia.

TEMPO DE JESUS E O TEMPO DA IGREJA Uma das ideias-chave de Lucas é distinguir o tempo de Jesus e o tempo da Igreja. Sem esquecer a singularidade única do acontecimento salvifico de Jesus Cristo, põe em relevo as etapas da obra de Deus na História. Mais do que Mateus e Marcos, ao falar de Jesus e dos discípulos, Lucas pensa já na Igreja, cujos membros se sentem interpelados a acolher a mensagem salvífica na alegria e na conversão do coração. É isso que faz deste livro o Evangelho da misericórdia, da alegria, da solidariedade e da oração. No respeito pelo ser humano, a salvação evangélica transforma a vida das pessoas, com reflexos no seu interior, nos seus comportamentos sociais e no uso que fazem dos bens terrenos.
Jesus anuncia a sua vinda no fim dos tempos, o qual, segundo LUCAS, coincidirá com o termo do tempo da Igreja. Mas a insistência deste evangelista na salvação presente, na realeza pascal do Senhor Jesus, na ação do Espírito Santo na Igreja, contribuem para atenuar a tensão relativa à iminente Parusia. A própria destruição de Jerusalém, vista como um acontecimento histórico, despojando-o da sua projeção escatológica, presente em Mateus e Marcos, é sinal de uma consciência viva do dom da salvação presente no tempo da Igreja. De acordo com L. Mosconi , este evangelho é dividido em quatro partes, a Bíblia de Jerusalém é também dividida em quatro partes, mas de forma diferente.

Prólogo - (1,1-4) em que anuncia o tema, o método e o fim da sua obra. Lucas expõe por ordem o que se refere à vida e à mensagem de Jesus de Nazaré, filho de Maria, Filho de Deus.
I. Evangelho da infância - (1,5-2,52) de João Baptista e de Jesus.
II. Prelúdio da missão - (3,1-4,13) messiânica de Jesus.
III. Ministério de Jesus na Galiléia - (4,14-9,50): a sua atitude face às multidões, aos primeiros discípulos e aos adversários (4,31-6,11); o seu ensino aos discípulos (6,12-7,50); a associação estreita dos Doze à sua missão (8,1-9,50).
IV. Subida de Jesus a Jerusalém - (9,51-19,27). O esquema literário de Lucas é, ao mesmo tempo, original, mas artificial, sem continuidade geográfica nem progressão doutrinal. Tal quadro permite ao autor reunir uma série de elementos, em parte convergentes com os de Mateus e Marcos, colocando-os na perspectiva do evento pascal, a consumar-se na cidade de Jerusalém. Jesus dirige-se a Israel, chamando-o à conversão; mas é, sobretudo, para os discípulos que os seus ensinamentos se orientam, tendo em conta o tempo em que já não estará presente entre eles.
V. Ministério de Jesus em Jerusalém - (19,28-21,38): o ensino de Jesus no templo (20,1-21,37). Foi este trecho que adotei da qual se encontra a parábola a ser trabalhada.
VI. Paixão, morte e ressurreição de Jesus (22,1-24,53): a narração da Paixão e as narrações da Páscoa. Omitindo a tradição das aparições na Galileia e situando todos os eventos pascais em Jerusalém, LUCAS põe em evidência o lugar central daquela cidade na História da Salvação. De lá vai irradiar também a mensagem evangélica, relatada pelo mesmo autor no livro dos Atos.
A teologia lucana é muito significativa dentro dos sinóticos, John Mckenzie salienta que Lucas é o único a usar o título de Senhor no sentido cristológico da comunidade cristã. Joaquim Jeremias afirma que Lucas tem 12 parábolas próprias que, como pano de fundo, transmitem sua teologia, a qual em síntese é a demonstração da misericórdia do pai para com os excluídos no ideal de construir o Reino desejado por Jesus de Nazaré. As parábolas exclusivas de Lucas aparecem nas respectivas passagens: 7, 41-43 (que está inserida na “A pecadora perdoada e que ama”); 10, 30-37 (O Bom Samaritano); 11, 5-8 (O Amigo importuno); 12, 16-21 (O Rico do Celeiro); 14, 28-32 (Renúncia a todos os bens); 15, 8-10 (A Drácma Perdida); 15, 11-32 (O Filho Pródigo); 16, 1-8 (O administrador Infiel); 16, 19-31 (O Rico e o Pobre Lázaro ); 17, 7-10 (Servir com humildade); 18, 3-8 (Viúva importuna em: o juiz iníquo e a viúva importuna) e 18, 9-14 (Fariseu e o Publicano).








2.1 COMENTÁRIO DO CAPÍTULO 15



Todo o capitulo 15 de São Lucas é dedicado ao tema do amor misericordioso de Deus, apesar de não usar esta palavra. acima da matemática, Lucas quer mostrar que Deus nos ama em todas as proporções: cem por um (a ovelha perdida – Lc 15, 4-7), dez por um (a moeda perdida – Lc 15, 8-10) e um por um (o filho perdido – Lc 15, 11-32). Das três parábolas da misericórdia, sem duvida a mais comovente é a do “filho pródigo”. Aliás, tanto o filho como o pai pode ser chamado de pródigos. A palavra “pródiga” pode ser interpretada nos dois sentidos: aquele que despende com excesso, dissipador, esbanjador: o filho; e a pessoa generosa, que distribui, faz ou emprega profusamente e sem dificuldade, como fez e continua a fazer o Pai. O filho pródigo retrata a percepção de sua idade avançada, uma percepção em que cegueira física e profunda visão interior estão intimamente ligadas.
Dentro das denominadas “parábolas da misericórdia”, aparecem 3 parábolas semelhantes com o sentido de extravio: a ovelha perdida, a moeda perdida e o filho perdido. Isso serve para evidenciar a finalidade da missão de Jesus que é, justamente “salvar o que está perdido”. A relação perdido-encontrado-alegria está presente em todo o 15 capítulo do Evangelho de Lucas. As duas primeiras parábolas: a ovelha e a drácma perdidas remetem á comparação visível e material para demonstrar que Deus é exaltado mais com a mudança de vida de um pecador do que com os que são livres do pecado, pois o estar com Deus, a exemplo do estar com o pastor ou com a proprietária (das moedas) é sinal de incontável alegria. No que se refere á parábola do filho pródigo, ela é dividida em 2 partes com 3 personagens principais: o filho pródigo, o filho mais velho e o pai amoroso.
Com isto o texto nos apresenta três grandes corações: o coração do Pai, do filho ferido mais moço e do machucado - o filho mais velho. Os temas de volta para casa, afirmação e reconciliação serão redescobertos por todos aqueles que experimentaram solidão, melancolia, ciúmes ou raiva. O desafio de amar como o pai e ser amado como filho será mostrado como a revelação final da parábola, conhecida pelos cristãos ao longo dos tempos e aqui descrita com um vigor e força novos para os dias de hoje.
Um Pai tinha dois filhos... Ele dividiu entre eles os bens... Com tal precisão, não era de esperar ver o filho mais velho entrar em cena?
Esquema de três tempos: a degradação (11-16); a reintegração (17-24) e a contestação (25-32). Depois dessa menção inicial aos três personagens, o caçula fica em cena primeiro só (13-20a), depois com o pai (20b-24), enfim, é a vez do mais velho, primeiro só (25-28a), depois com o pai (28b-32). Dispondo o texto segundo essa alternância de papéis, essa introdução apresenta, com efeito, os três personagens, que fará intervir por sua vez na continuação da parábola. É verdade que nessa introdução a atenção está voltada para os procedimentos do filho caçula, mas nem por isso o mais velho é perdido de vista.
Pretendo colocar bem detalhadamente cada situação desta parábola, personagens, versículo por versículo, vendo bem de perto a Misericórdia do Pai e como o Pai acolhe a todos, quer acolher tanto a filho mais novo como o filho mais velho. A parábola da Misericórdia, que nos revela o amor cheio de ternura e compaixão do Pai conosco, muito embora no texto original não seja usada a palavra “misericórdia” – se acha expressa de modo muito claro, contribui para isso, não tanto a terminologia, como nos livros do Antigo Testamento, mas a analogia, que permite compreender mais plenamente o próprio mistério de misericórdia, como drama profundo que se desenrola entre o amor do pai e a prodigalidade e o pecado do filho. Assim com também não aparece o termo “justiça”, mas a relação entre justiça com o amor, que se manifesta como misericórdia, está contida, com muita precisão, no conteúdo desta parábola evangélica. Torna-se mais claro que o amor se transforma em misericórdia quando é preciso ir alem da norma exata da justiça, norma precisa e, muitas vezes, por demais estrita. Álvaro Barreiro salienta que Jesus vai atrás dos perdidos e não apenas dos arrependidos, pois na realidade “arrepender-se” já é uma conseqüência do encontrar-se.
À volta do filho pródigo é um momento belíssimo, tanto na limpidez de sua sabedoria quanto na beleza assustadora da transformação que somos chamados a realizar. É algo característico de Lucas sublinhar a participação do homem no processo de conversão. O ato de converter-se é um assunto importante para o evangelista são Lucas, ele enfatiza que a conversão começa com a humildade, necessária perante o poderio de Deus. Ela é a expressão da graça, uma procura de viver conforme o mistério do perdão que nos é proporcionado pela misericórdia divina. Entretanto, a parábola do filho pródigo como chamamos tradicionalmente deveria ser chamada de “a parábola do Pai amoroso”, pois a figura que se sobressai é a do pai. Com isso os dois filhos aparecem como as duas partes da parábola, mas ambos dialogam com o pai. O filho pródigo retrata o homem que usa sua liberdade em vista de sua realização pessoal, mais que, após ter passado por experiências negativas arrepende-se das atitudes que tomou e vivencia, por causa disso, o processo de conversão e volta pra casa do pai.
Foram dados muitos títulos a esta parábola: do filho pródigo, do pai misericordioso ou amoroso, dos dois irmãos. Vamos agora refletir tentando perceber um pouco de cada um destes aspectos.
- O filho mais novo quer sua liberdade, quer dirigir a sua própria vida, independente do Pai; que escapar da regas da sua casa; no fundo é a imagem de todo homem que busca uma liberdade sem obediência. Assim fazendo, não tendo regras nem limites, o filho acaba logo perdendo a liberdade e torna-se escravo para tentar sobreviver.
- O Pai, Deus, que é liberdade incondicionada, dá esta liberdade ao filho mesmo sabendo que ele poderá esbanjá-la de modo impensado. O problema deste jovem é querer ser livre, mas não para um projeto, e sim contra o Pai e sua casa
- O filho mais velho, fiel e mais adulto, nunca se opôs ao Pai e sempre foi obediente (v. 29); mas a sua obediência corre risco de ser uma obediência sem liberdade, isto é, não escolhida, e por isso como irmão, também ele se encontra sozinho; o irmão mais novo fica sozinho quando não tem mais nada para gastar; o mais velho em um final de um dia de trabalho, não está feliz, por ter feito o seu dever.
- Vale a pena notar que um terceiro irmão, o perfeito, não existe e o Evangelho não fala dele. De fato, o terceiro não existe a não ser na vida da graça e como dom do Pai.

Então podemos se aprofundar nesta linda parábola de Jesus e vivenciar a sua Misericórdia, felizes aqueles que se deixam ser abraçados pelo Pai, que ninguém se subtraia ao abraço misecordioso do Pai.



















2.2 DESENVOLVIMENTO DA PARÁBOLA



É uma perícope pequena e está dentro de uma maior que se chama à quarta subida para Jerusalém: capítulo 9 e vai até 19, 27, neste trecho passam-se vários acontecimentos, a missão dos discípulos, a cura dos doentes, os conflitos entre Jesus, Fariseus e doutores da Lei, onde ele conta também varias parábolas e uma delas é o Pai Misericordioso, duas atitudes a primeira é a dos filhos e a segunda a do pai, acontece nessa parábola uma mudança de tempo no versículo 11- Disse ainda... E no capitulo 16 versículo 1 – Dizia ainda...
A volta do filho pródigo é realmente impressionante. O mais jovem exige e apossa-se de suas heranças, vai ao mundo, ao submundo, até à miséria total... e retorna aos braços do pai. Conquanto o filho mais velho fica junto de seu pai, fiel, trabalhador, cumpridor de seus deveres, vida correta e digna. O pai, senhor de muitas posses, ponderado em decisões sábias, acolhe o filho perdido com grande amor, e ao mesmo tempo sabe conduzir com carinho a revolta do filho mais velho, diante de sua indignação quanto à acolhida dada ao irmão mais moço. Assim como a própria narrativa de Lucas na Bíblia, ficam impressionantemente claros quando se pode contemplar a imagem da volta do filho, uma obra de Rembrandt . Em especial se vamos não só ver a obra como um todo, mas começamos interpretá-la do ponto de vista de seu Autor e cada detalhe que ele sabiamente , à luz da narrativa, insere em suas geniais pinceladas. A expressão facial do pai acolhedor, madura e carinhosa; suas duas mãos, vendo a mão esquerda máscula, decidida, forte, amparadora, sustentadora, enquanto a mão direita é delicada, fina e leve, como a mão de uma mãe, consoladora, carinhosa, meiga... O manto exuberante do pai é pintado de vermelho demonstrando sua riqueza. Contudo sua forma sugere acolhimento, proteção, aquietação. A cabeça raspada significa que ele é despojado de um dos seus traços de personalidade, mas também não seria como uma cabeça de um bebê que acaba de sair do útero materno, onde este filho não somente volta ao Pai, mas também à volta ao seio de Deus, que é Mãe e Pai ao mesmo tempo. O filho pródigo diante deste pai firme, sereno e acolhedor, prostra-se ajoelhado, com o pé esquerdo descalço, demonstrando a mais desprezada situação que um ser pode chegar, com o pé direito somente calçado numa sandália arrebentada, também aponta para sofrimento e miséria. Roupas sujas, face escondida, humilhação...Não obstante à sua desgraça, consegue ainda forças para achegar-se ao pai e pedir perdão e reconciliação, mesmo que para isto não fosse mais tratado como filho, mas acolhido como serviçal, escravo, pois mesmo nesta condição estaria mais bem situado do que anteriormente. Mas o pai soberano e ciente de seus atos o recebe como filho. Seu irmão mais velho, no entanto, representado no quadro como observador distante, sente-se injustiçado diante desta acolhida, pois em toda a sua vida foi fiel e dedicado ao pai, incondicionalmente. Revolta-se com toda esta situação discute com o pai, com seus serviçais, enfim, está desgostoso pelo muito que tem feito, e pouco reconhecido. Uma situação familiar que realmente é muito comum também em nossos tempos. Não sabemos muitas vezes quem somos nós mesmos: o filho pródigo ou o irmão mais velho? Ou seríamos o pai que perdoa a ambos, acreditando com toda sua sabedoria, que de um lado, o arrependimento está em questão, assim como a reconsideração está no outro extremo? Ou ainda como os outros figurantes... Meros espectadores? Forças, expressões, riqueza de detalhes, perfeita harmonia das cores, posições e gestos, texturas, composição, expressões faciais indiscutivelmente marcantes e reconhecidas... Tudo isto, e muito mais, é identificado nesta obra magnífica de Rembrandt, nos é trazido através desta obra e da narrativa, para mostrar-nos a grandiosidade do perdão do Pai, e principalmente nos leva a uma reflexão ímpar, do espaço que nós estamos ocupando neste cenário, que não mudou nada, mesmo agora no início do novo milênio... Quer sejamos o filho pródigo, o mais velho, o pai, ou um dos espectadores presentes na "obra" da vida, estamos vivendo as oportunidades diárias do reconhecimento, do perdão, da sabedoria no discernimento, do amor sereno, da comunhão, mesmo diante das atrocidades da vida, mesmo diante das injustiças que como humanos cometemos, somos vitimados ou não compreendemos.
Esta imagem precisa do estado de espírito do filho pródigo permite-nos compreender com exatidão em que consiste a misericórdia divina. Não há duvida de que, naquela simples mas penetrante analogia, a figura do pai nos revela Deus como Pai, um Pai que é amor (1 Jo 4,8) e fiel a sua paternidade desde sempre. Esta bela parábola costuma se dizer, é umas das que falam por si mesmas e dispensam explicações. De fato, a compreensão do texto não apresenta dificuldades. Basta sublinhar de novo em cada uma das cenas que recortamos alguns aspectos mais significativos .

1. Cena A (15,13-20 a): o filho caçula:

Parece-me que aqui a três pontos a ressaltar.

A. A prodigalidade do filho (v. 13)

Ela se exprime no fim do v. 13 por duas palavras: “vida asotos”. Esse advérbio, único no Novo Testamento, significa “de maneira louca, desordenada, como libertino, como pródigo” e não implica necessariamente a idéia de devassidão, como o irmão mais velho vai proclamar raivosamente no v. 30.
Resumindo tudo em duas palavras, a parábola dificilmente poderia ser mais sóbria. Não se pode na verdade designá-la como “parábola do filho pródigo” no sentido em que ela se aplicasse a contar a experiência e descrever a maneira de viver de um pródigo, ou mesmo no sentido em pusesse nisso sua ênfase. Nada se sabe do como; só importa o fato, do qual decorre a continuação: “dissipou sua fortuna vivendo como pródigo” .

B. As etapas da degradação (vv. 14-16)

Encontrando-se no estrangeiro, sem nenhum centavo, o caçula já esta passando por uma situação bem embaraçosa. Sua situação não deixara de degradar-se, de maneira muito sucinta e pitoresca, os versículos 14,15 e 16 descrevem sucessivamente três etapas dessa decadência. Primeiro vem uma fome agravar a situação, e o jovem, para sobreviver, tem de buscar emprego. E logo fica reduzido a guarda de animais, e alem disso porcos, considerados pelos judeus impuros e repugnantes. Para coroar tudo, o desgraçado é forçado a constatar que as pessoas para quem trabalha se preocupam mais com a alimentação dos porcos do que com ele mesmo, percebe o quanto é desvalorizado.

C. Uma conversão ambígua (vv. 17-19)

Sem dinheiro, guardião de porcos e faminto: não pode que a parábola idealize o caráter desinteressado da resolução que então o filho toma de voltar para o domicilio paterno:
Vou-me embora dizer: Pai pequei contra Deus...
Se só houvesse este v. 18, podia se crer em uma pura conversão e em um arrependimento da escapa e das travessuras. Mas na realidade isso é a continuação do enunciado de outro motivo, muito menos nobre e desinteressado, quantos empregados de meu pai tem pão com fartura e eu aqui morrendo de fome (v. 17).

Quais são exatamente as disposições do filho? Em que profundidade sua decisão enraíza? “Pai eu, pequei” : é mesmo este seu sentimento profundo ou apenas o “motivo oficial” que ele apresentara para abrandar o pai e causar boa impressão? O que predomina, o apego ao pai ou o interesse pessoal? O texto não permite responder. Seria diferente se houvesse algo como: “Entrando em si mesmo, ele disse: Pequei contra o céu e contra meu pai; vou lhe dizer que estou arrependido, e por acréscimo vou ter o que comer, se ele me aceitar em sua casa”. Mas não é assim que acontece, e sem duvidas, o texto quer sugerir que se trata no mínimo de um procedimento ambíguo, descrito do modo mais breve possível no final: “Partiu, então foi ao encontro de seu pai”.(15,20a). Esta sobriedade contrasta com os luxuriantes detalhes que vai comportar a seguir a acolhida do pai.

2. Cena B (15,20a -24): o pai e o caçula

Como vimos esta cena, é a cena central, pois as três outras estão voltadas para ela, seja para prepará-la (cena A), seja para criticá-la (cena b) .Consiste essencialmente na descrição da iniciativa (v. 20b) e da acolhida (vv.23-24) do pai.
Assim, pois, em um primeiro tempo é o pai que toma a iniciativa (15, 20b). Antes mesmo que o filho tenha tempo de abrir a boca e pedir perdão, e antes mesmo, com mais forte razão, que possa sondar a autenticidade das motivações do filho, o pai multiplica gestos de pressa, de apego e de reconciliação. É esta que se descreve nos primeiros procedimentos descritos: “Ele ainda estava longe, quando seu pai viu-o, encheu-se de compaixão ”, ou literalmente “foi comovido em suas entranhas”. Esses procedimentos e os termos são exatamente os mesmos que em outra parábola Lucas atribui ao samaritano: “Certo samaritano em viagem, porem chegou junto dele, viu-o e o moveu de compaixão” (Lc 10,33). Ora em Lucas esta é uma característica de Deus, do qual se proclama desde o começo do Evangelho (Lc 1,78) que possui “entranhas de misericórdia”.
Pode-se efetuar ainda uma outra aproximação com a parábola do bom samaritano. Com efeito, esta descreve em duas etapas os procedimentos realizados por ele em favor do infeliz deixado semimorto á beira do caminho: aos primeiros gestos de socorro cumpridos no mesmo dia (Lc 10,33s) acrescenta-se ainda uma outra serie no dia seguinte (Lc 10,35). O mesmo ocorre aqui: aos procedimentos que o pai realiza quando corre ao encontro de seu filho (20b) acrescentam-se os que faz efetuar pelos servidores (22 23).
Pode-se ainda estreitar o paralelo com a narrativa exemplar do bom samaritano. Constata-se que quando descreve os cuidados tomados por ele, à narrativa enumera sete procedimentos. Ora, verificai-se o mesmo aqui: Lucas 15, 22-23 apresenta uma sucessão de sete verbos que exprimem outros tantos procedimentos:
Ide depressa, trazei a melhor túnica (1), revesti-o com ela (2), ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés (3), trazei o novilho cevado e (4) matai-o (5): e comamos e (6) festejemos (7).
Seria isso acaso ou, como na parábola do bom samaritano, uma maneira de sublinhar que o pai faz tudo de graças ao simbolismo da plenitude ligada ao número sete, que aliás Lucas conhece?. Seja como for, o tipo de procedimentos descritos já aponta para a linha de superabundância. Assim, não basta que se traga uma túnica: tem de ser a “melhor”. Não basta dizer que o filho retoma seu lugar: é preciso expressá-lo restituindo o anel ou o selo (daktylion) que lhe confere todos s poderes. Não basta passar-lhe as sandálias; devem ser os calçados (hypodemata), mocassins de luxo como só usam personagens importantes em circunstâncias excepcionais. Para o banquete do reencontro, não basta ter no cardápio um novilho – que para o gosto do mais velho teria amplamente bastado – deve ser o novilho cevado, animal que se cria e ceva durante longos meses em vista de uma refeição única dos grandes dias. Justamente, não basta preparar uma boa refeição, tem de ser um festim como só os rico podem dar-se ao luxo de fazer, e que o filho mais velho nunca viu na casa de seu pai (v. 29).E, como se não bastasse, vê-se que no começo da cena seguinte, o pai contratou os serviços de uma orquestra instrumental. Decididamente, o filho mais velho não resmunga sem alguma razão...
“Já não sou digno de ser chamado teu filho”, declara o caçula, quando enfim encontra a chance de exprimir-se (v. 21). Mas, como se nada tivesse ouvido ou se não ligasse, o pai nada responde diretamente. Contudo o que ele afirma aos servidores para justificar as ordens extravagantes que lhes dá – “pois este meu filho estava morto e voltou a viver; estava perdido e foi reencontrado” (15,24) – testemunha claramente a maneira como não deixou de considerar o delinqüente,

3. Cena A (15,25-28): o filho mais velho

“Seu filho mais velho estava no campo” (v. 25). “No campo” essa duas palavras valem muitas frases e bastam para apresentá-lo: é o filho fiel e responsável, que realiza seu trabalho cotidiano na fazenda da família. Alem, disso indica-se que é um dia comum, uma jornada de trabalho como as outras, o que torna ainda mais insólitos os exageros do pai e faz compreender o espanto, no começo intrigado, depois raivoso, do filho mais velho.
“Teu irmão chegou e teu pai matou o vitelo gordo, porque o recuperou com boa saúde” (15,27). Essa explicação de um observador neutro do exterior, é sem duvida justa. Mas sabe por a ênfase onde deve? Dá bem conta de toda situação que o pai exprime em duas ocasiões (vv. 24,32) para justificar seus exageros?: “Meu filho estava morto e voltou à vida; estava perdido e foi reencontrado”. Certamente o pai reencontra seu filho fisicamente, e fisicamente em boa saúde. Mas o que ele celebra é antes de tudo a retomada de uma relação que parecei perdida para sempre, uma ausência que tinha tanta dificuldade de suportar como se seu filho estivesse morto.











4. Cena B (15,28b-32): o pai e o filho mais velho

Como fizera diante do caçula (v. 20), o pai agora toma a dianteira do filho mais velho (v. 28b ), o qual quer tomar suas distancias, chocado e sentindo-se lesado pela conduta do pai.
Essa tomada de distancia revela-se na sua linguagem. Enquanto na cena paralela o caçula dissera: “Pai” ao chegar perto daquele que tinha abandonado, o mais velho omite essa apelação e prorrompe de uma vez em recriminações: “Há tantos anos que te sirvo...”. De modo ainda mais explicito, indica que não se considera mais ligado ao irmão, que designa, com desprezo, como “esse teu filho”. Essa designação lembra a do fariseu da parábola falando com desprezo “este publicano”. Em todo caso não se pode deixar de comparar a atitude do filho mais velho com a do fariseu que se gaba de seu mérito e de virtude irrepreensível (Lc 18,11s) : exatamente como, na cena paralela a atitude do caçula – “Pai pequei....já não sou digno ser chamado teu filho” – lembra a do publicano que bate no peito e implora - : “Meu Deus, tem piedade de mim, pecador !” (Lc 18,13). Também, não se pode deixar de pensar em outra parábola de Jesus, a qual porem, não se encontra em Lucas. “A mim que te sirvo fielmente há tanto tempo”, protesta o filho mais velho “nunca me deste sequer um cabrito, para ele que dissipou sua fortuna indignamente, fazes matar o novilho gordo”. Esse protesto parece com o dos trabalhadores da primeira hora em (Mt 20,12): “Estes últimos fizeram uma hora só e tu os igualastes a nós que suportamos o peso do dia e o calor do sol”. Esses ao menos recebem o mesmo tanto; o filho mais velho se queixa ainda de receber menos...
Em sua maneira de responder (15,31-32), o pai manifesta, que se seu filho mais velho quer se afastar, no que lhe diz respeito a sua relação com ele em nada mudou. Enquanto esse seu filho recusa-se a chamá-lo de “Pai” , ele o designa como “Meu menino” um termo mais familiar e mais afetuoso ainda do que “meu filho”. Por outra ele lhe explica delicadamente que o caçula continua sendo seu irmão, com o qual, se quiser pode retomar, também ele, a relação rompida: “Este teu irmão estava perdido e foi encontrado”. Como vimos, das três parábolas de Lucas 15 emana uma mesma significação fundamental. Significação de ordem teológica, no sentido escrito, quer dizer, as parábolas convidam antes de tudo a abrir-se a uma certa imagem de Deus. Mas uma outra linha também se apresenta, como corolário, em particular na parábola do filho pródigo. Não concerne mais a imagem de Deus em si mesmo, mas ao que ele implica para a vida para o engajamento e para a prioridade das pessoas e das comunidades preocupadas em viver de maneira coerente sua fé e sua adesão a esse Deus.
O filho pródigo é considerado por muitos erroneamente como o “personagem mais importante” da parábola, mas na realidade a figura principal é justamente a do pai misericordioso - amoroso. O filho mais novo simboliza todo ser humano que se afasta de Deus por motivos diversos (que são chamados pela igreja de pecados) e que são, portanto, elementos presentes em nosso ser que nos desviam de Deus (a humanidade). Longe de Deus pode-se ter o prazer momentâneo, mas não a “paz de espírito” que acalenta o nosso ser e nos faz pessoas realizadas, pois não há plena realização humana sem a presença de Deus, o criador ao lado do ser humano, indigna criatura.
O filho mais velho como veremos é o protótipo do fechamento em si mesmo diante das manifestações amorosas do pai. Por pecados considerados por ele como “virtudes” (inveja, justiça pessoal, etc) decepciona-se com carinho oferecido pelo pai ao filho que voltou para casa. Esse personagem representa-nos quando não nos abrimos à manifestação generosa de Deus em nossas vidas considerando-nos já plenificados desta mesma ação.
Tratando propriamente do Pai amoroso é considerado que a figura do pai é o elemento central da parábola referida. O pai amoroso antes de tudo é uma autodefinição de Jesus como o Senhor que acolhe os pecadores. Na sua essência, o pai amoroso representa Deus, o Pai que sempre espera pelo seu filho . Como Deus, o pai amoroso não vê a miséria do filho, a sua dimensão exterior, mas a interior, isso quer dizer que apesar de tudo ele ainda continuava sendo “carne de sua carne”. O capítulo 15 é o “coração do evangelho de Lucas” e também de todo o Evangelho . O exegeta brasileiro Ivo Storniolo , trabalha o Evangelho de Lucas onde ele trata propriamente do capítulo 15, onde Jesus convida para a festa do Pai. Entretanto, a parábola do filho pródigo como chamamos tradicionalmente deveria ser chamada de “a parábola do Pai amoroso”, pois a figura que se sobressai é a do pai.
De início, o pai utiliza da liberdade oferecida ao filho mais novo e o acolhe quando ele volta arrependido. Já com o filho mais velho, usa da conscientização considerando que esse é o primeiro passo para o filho perceber que ele o ama. Como o pai, no início da parábola dá tudo o que o filho mais novo lhe pede (v.12), praticamente no fim do relato expressa que tudo que é dele é também do filho mais velho (v.31). O pai amoroso é apresentado como quem tem compaixão tanto do filho perdido como do filho que está se deixando perder devido à dureza de seu coração. É pertinente no Evangelho de Lucas que o mesmo verbo usado para expressar o sentimento do pai para com o filho que voltou (v.20) aparece em Lucas (10,33) e também (Mt 18,27) traduzido como “compaixão”.
Essa parábola lucana lembra outra parábola que fez exatamente a distinção entre duas pessoas: o fariseu e o publicano (Lc 18, 9-14). Nesse caso o filho pródigo é o publicano (pecador) e o filho mais velho, o fariseu, que por sua prática equivocada, faz brilhar ainda mais a misericórdia e o perdão do pai.
Enquanto que o filho pródigo modificou sua maneira de ser e de pensar e partir das experiências que vivenciou, quando chegou novamente em casa encontrou o irmão que não alterou seu jeito de ser, ou seja, não mudou de vida e por isso não era ainda convertido. No mesmo Evangelho, estar convertido é sinônimo de “dar metade dos bens aos pobres”, um exemplo disso é Zaqueu, o cobrador de impostos (Lc 19, 1-10). O irmão do filho pródigo não queria dar novamente a ele (que também era pobre) uma parte na casa de seu pai e pensou somente em si próprio.


2.2.1 O FILHO MAIS NOVO



Analise da parábola:

v. 11: inicio da parábola; “disse ainda ..”

v. 12: o filho mais novo pede ao pai a sua parte da herança que, segundo a Bíblia (Dt 21,17) era a terceira parte dos bens móveis, citado um pouco a baixo. Em outra passagem (Eclo 33,20-24), recomendava de não ceder a herança em vida para que o pai não ficasse submisso aos filhos; a ruptura com o pai, afastamento, rebeldia; o pai deixa livre não faz nenhum discurso, chantagem emocional, nada, Deus dá a vida e a liberdade; só quando me atrevo a me aprofundar no que significa deixar a casa posso entender realmente à volta. Deus nunca abaixou os braços, jamais retirou a bênção, nunca deixou de considerar seu filho como o Amado, sou amado a tal ponto que tenho liberdade para abandonar a casa. Então na Bíblia, não há uma unanimidade no que se refere à herança, isso devido até mesmo ao contexto histórico em que foram escritos os livros sagrados. Em algumas passagens como: Dt 21,17 e 25,23 ss é afirmado que o filho mais novo tem 1/3 da terra e o filho mais velho 2/3, ou seja, que primogênito tem o direito ao dobro da parte da herança em relação às filho mais novo. Já no livro de Tobias (8,21), por exemplo, é apresentado que o filho recebe uma parte da herança ainda com os pais em vida e depois quando morrerem recebe outra parte. Com este mesmo propósito Joaquim Jeremias afirma haver na Palestina no tempo de Jesus, duas formas de transmissão de posse de pai para filho: por testamento e por doação entre vivos, no ultimo caso valia a regra: o interessado recebia imediatamente o capital, e só depois da morte do pai é que recebia o gozo do uso.
João Paulo II em sua encíclica já mencionada neste trabalho, chama o filho pródigo de “o homem de todos os tempos” começando por Adão “que foi o primeiro a perder a herança da graça e da justiça original” passando por nós, chegando a todos os homens. Isto é possível porque a figura denominada de “filho pródigo” pode abarcar não apenas uma pessoa, mas também uma etapa da vida de todo ser humano que ao evoluir torna-se independente de Deus pelo pecado da auto-suficiência. Nessa perspectiva, a figura do filho pródigo leva-nos a lembrar a vida humana sem a presença do pecado e depois a vida com a presença dele. O filho pródigo, preocupado com sua vida e com o bom êxito dela, lembra-nos a atitude de Adão e Eva perante a desobediência a Iahweh (Gn 3,5s). Antes de desejar o fruto proibido, nossos primeiros pais viviam no paraíso e eram conduzidos por Iahweh. Não diferente disso, o filho pródigo também antes de corromper-se pelas coisas do mundo vivia na casa paterna considerada posteriormente de “paraíso”.
Tendo em vista isso, o filho não pode ser considerado apenas um representante dos desviados e excluídos, mas um personagem que prefigura a situação de todo ser humano que se afasta de Deus, começando como já vimos por nossos primeiros pais chegando á toda criatura. São João Crisóstomo , em um de seus sermões, ao explicar essa parábola salienta que “o filho pródigo é símbolo dos que caíram depois do batismo”, pois enquanto história, o jovem é um filho e comparado a nós, nós nos tornamos filhos a partir do batismo e “ninguém de nós se torna irmão a não ser pelo renascimento no Espírito Santo”. Enquanto que o jovem vivia na casa paterna, em harmonia com o Pai, quando precisou foi perdoado por ele, assim também nós batizados, seremos perdoados por Deus desde que vivamos em comunhão com ele. Disso resulta que a história do filho pródigo pode também ser considerada a nossa história e se assim for, também ela terá um final feliz. Tendo explicitado o valor da parábola para nossa vida concreta, paramos um pouco mais no filho pródigo e suas circunstâncias. Ele não tinha consciência de sua atitude e a herança que tinha recebido do pai era constituída por certa quantidade de bens materiais.

v. 13: este filho decidiu partir “para um lugar distante” e “esbanjou tudo”, distante quer dizer longe da presença paterna, buscando a liberdade na libertinagem que o leva logo a miséria. O filho indo embora é, portanto, um ato muito mais grave à primeira vista. É uma rejeição cruel do lar no qual o filho nasceu e foi criado e uma ruptura com a mais preciosa tradição apoiada pela comunidade maior da qual ele faz parte, ele se refere a uma quebra drástica da maneira de viver, pensar e agir que recebeu como um legado sagrado das gerações passadas. A palavra nos diz que: “bebedores e comilões se arruinarão, e afirma: quem freqüenta prostituta dissipa sua fortuna” (Pr 23,21 e Pr 29,3), também escreve que o vinho e as mulheres fazem sucumbir os sábios, e tornam culpados os homens sensatos (Eclo 19,2), “País”, significa ruína, miséria, solidão, um mundo onde a maneira de pensar, viver, comportar-se, não tem nada a ver com a família e a casa onde o filho nasceu, foi alimentado, cresceu e aprendeu a relacionar-se; é o mundo no qual não se respeita o que em casa é considerado sagrado, num país distante não é difícil de pressentir o que acontece, raiva, ressentimento, ciúme, desejo de vingança, luxúria, ganância, antagonismo e rivalidades onde são sinais inconfundíveis de que saí da casa do pai, é um mundo que leva à decadência, porque o que oferece não preenche o anseio mais íntimo do coração do homem. Em certo sentido é o homem de todos os tempos, a começar por aquele que foi o primeiro a perder a herança da graça e da justiça original. Neste ponto a analogia é muito vasta, indiretamente a parábola estende-se a todas as rupturas da aliança de amor, a toda a perda da graça e todo pecado.
Não é por acaso que Sua Santidade, o Papa Bento XVI em seu discurso aos bispos da Conferência Episcopal da Região Ocidental do Canadá em 09/10/2006 , salienta que quando a liberdade é procurada fora Deus o resultado é negativo e como conseqüência há a perda da dignidade pessoal, confusão moral e desintegração social, a exemplo do filho mais novo.

v. 14: passou fome, talvez de um mundo melhor, saudades da casa do pai; uma miséria total, um nível de degradação terrível , onde nada mais saciava a sua fome, sentimento ruim, vazio, angustia, solidão, raiva, enfim saudades ... quantas pessoas hoje também passam fome, estão em busca de algo, quando nos afastamos de Deus, passamos fome e não ouvimos mais a sua voz, somos seduzidos pelas vozes dos ídolos que nos prometem a felicidade pela conquista de êxito.

v. 15-16: o filho se torna escravo de um patrão pagão, trabalhando com animais impuros, (os porcos) “tê-lo-eis por impuro... não comereis de sua carne e tereis em abominação os seus cadáveres”. A situação se torna para ele desagradável e aviltante; o filho ficou bem ciente de como estava perdido quando nenhum de seus companheiros mostrou o menor interesse por ele, a verdadeira solidão ocorre quando perdemos a sensação de ter algo em comum, quando ele não era mais considerado um ser humano pelas pessoas à sua volta, sentiu a profundeza de seu isolamento, viveu um estado de miséria material e de degradação moral a que chegou.

v. 17 a 19: a situação de pobreza material, espiritual e moral provoca nele uma profunda reflexão. A consciência do seu pecado, “contra Deus e contra Ti”, é como um grito de um coração ferido no seu orgulho, na sua presunção de realizar seu projeto de vida sem Deus, cortando todos os laços com a sua família e seu contexto social original; o que quer que ele tenha perdido, fosse dinheiro, amigos, reputação, amor próprio, alegria interior e paz, uma ou todas, ele ainda continuou a ser o filho de seu pai. A volta ocorre quando ele reivindica sua filiação, apesar de ter perdido toda a dignidade que esta lhe confere. Tais palavras nestes versículos permitem descobrir mais profundamente o problema essencial. Através da complexa situação material de penúria a que o filho chegou, por causa de sua leviandade, por causa de seu pecado, amadureceu nele o sentido da dignidade perdida. Quando tomou a decisão de voltar para a casa paterna e de pedir ao pai para ser recebido, não já gozando de direitos de filho, mas na condição de empregado, o jovem parece a primeira vista agir por motivo da fome e da miséria em que caiu. Subjacente a esse motivo, porem, está a consciência de perda mais profunda: um empregado na casa do próprio pai é com certeza grande humilhação e vergonha. Apesar disto, ele está disposto a arrostar com tal humilhação e vergonha. Caiu na conta de que já não tem mais direito algum, senão o de ser um empregado na casa do pai. Esta reflexão, brota em primeiro lugar da plena consciência da perda que mereceu e do que, noutro modo, poderia vir a possuir, este raciocínio, precisamente, demonstra que o âmago da consciência do filho se manifesta o sentido da dignidade perdida, daquela dignidade que brota da relação do filho com o pai, com essa decisão empreendeu o caminho de regresso. O caminho dos seguidores de Jesus tem de ser o que foi percorrido primeiro por Jesus.
Um aspecto essencial dentro da passagem é a mudança de vida sustentada por uma busca de transformação. As dificuldades que aparecem ao filho pródigo e também aparecem a nós são resultados das atitudes que tomamos. Após ter vivenciado tais experiências, o “filho mais novo” percebeu a necessidade de voltar. Tal processo a igreja chama de conversão que é resultante de uma tomada de consciência e mudanças de atitudes. Como filho é re-aceito pelo pai, todos os homens também são acolhidos por Deus a partir do momento que se arrependem dos seus pecados e mudam de vida.
João Paulo II , admite que isso é passado de maneira simples, mas profunda. Ele define a conversão como a “mais concreta expressão da obra do amor e da presença da misericórdia no mundo humano”.
Portanto, o filho pródigo tem um final feliz já que usa de sua liberdade exacerbadamente, arrepende-se de suas atitudes e volta para casa paterna para usufruir dos carinhos paternos. Isso tudo é possível graças à sua “renovação” interna e à misericórdia do Pai para com ele. Não diferente acontece conosco como cristãos: O Deus apresentado por Jesus, sempre nos dá uma nova chance desde que renovemo-nos internamente e busquemos mudar de rumo a nossa vida, ou seja, desde que convertemo-nos. A dança da Misericórdia termina lá onde inicia a dança de um coração resgatado que, feito Misericórdia, reacende a esperança no coração dos pequeninos.























2.2.2 O FILHO MAIS VELHO



v. 25: O filho mais velho estava no campo, começa a reflexão sobre este filho, essas duas palavras valem muitas frases e bastam para apresentá-lo: é o filho fiel e responsável que realiza seu trabalho cotidiano na fazenda da família, além disso, indica-se que é um dia comum, uma jornada de trabalho como as outras, o que torna ainda mais insólitos os exageros do pai e faz compreender o espanto, no começo intrigado, depois raivoso (v. 28).
João Paulo II afirma: “a fidelidade a si próprio por parte do pai – traço característico já conhecido pelo termo no Antigo Testamento” hesed” – exprime-se de modo particularmente denso de afeto. Também um outro termo usado no Antigo Testamento “rahamim” . Lemos, com efeito, que, ao ver o filho pródigo regressar a casa, o pai, movido de compaixão, correu ao seu encontro, abraçou-o efusivamente e beijou-o. Procede deste modo levado certamente por profundo afeto”

v. 26: em primeira instância se surpreende com a atitude do pai, por isto pergunta o que está acontecendo, se questiona depois de um dia de trabalho, chegar em casa e se confrontar com uma festa.

v. 27: certamente , o pai reencontra seu filho em boa saúde. Mas o que ele celebra é antes de tudo a retomada de uma relação que parecia perdida para sempre, uma ausência que tinha tanta dificuldade em suportar como se seu filho estivesse morto. Devida a atitude tomada pelo pai ele não queria entrar na casa e participar da festa, mas o pai foi ao encontro dele suplicando que ele entrasse para comemorarem juntos aquela vitória (v.28).
v. 28: descreve a atitude negativa do filho mais velho: “ficou com muita raiva e não queria entrar”, entrar na casa significa viver a comunhão plena com o pai: “filho, tu estas sempre comigo, e tudo o que é meu é teu”. Não entrar significa ter dificuldade ou impedimento para viver a comunhão. Este pai como já saiu ao encontro do filho menor, agora sai ao encontro do filho maior, nunca fica fechado na tristeza pelos erros e pecados dos seus filhos, o pai não se dá por vencido frente à atitude do filho; a festa não é festa plena se o filho maior não entra e participa.

v. 29: esse filho omite essa apelação e prorrompe de uma vez em recriminações: Há tantos anos que te sirvo... De modo ainda mais explicito, indica que não se considera mais ligado ao irmão, que designa, com desprezo, como “esse teu filho” (ho hyios sou outos, v.30). Essa designação lembra a do fariseu da parábola falando com desprezo “este publicano”. (outos ho telones) Lc 18,13, não se pode deixar também de outra parábola que tem o mesmo sentido mas, que não se encontra em Lucas “estes últimos fizeram uma hora só e tu os igualastes a nós que suportamos o peso do dia e o calor do sol” (Mt 20,12), esses ao menos recebem o mesmo tanto; o filho mais velho se queixa de receber ainda menos...
A princípio, ele é alguém digno de admiração já que foi sempre dócil e fiel ao pai e por isso retrata bem a condição de todo homem que vise à prática do bem e da justiça. Entretanto, não é bem isso que ocorre na realidade, uma vez que toda sua prática e egocêntrica. Segundo as palavras da parábola, ele mesmo afirma que nunca desobedeceu a uma ordem do pai e jamais festejou com seus amigos.

v. 30-32: o fim, nota-se as palavras de acusação do filho maior até seu irmão. Toma distancia afetiva do seu irmão dizendo: “este teu filho”, mas o pai contrapõe-lhe dizendo “esse teu irmão”, para ajudar o filho a ter um encontro novo com o seu irmão, renovado pela acolhida e perdão do pai e para que o filho mais velho participe da mesma alegria que vive o pai, esse filho não participa da festa, vitima de ressentimento, rancor, fechamento, ciúmes, egoísmo, etc... E ainda faz uma crítica ao pai “olha, esse teu filho” acusando o pai como se ele fosse cego e injusto, filho ingrato, ele serve, mas não ama. Ele sem dúvida alguma, o principal observador da volta do filho mais novo, não só se perdeu o filho mais novo que saiu de casa e foi a um país distante, como também o que ficou em casa, externamente faz todas as coisas que um bom filho deve fazer, mas no íntimo, se afastou bastante de seu pai, ele cumpriu o seu dever, trabalhou duro todos os dias e deu conta de suas obrigações, mas se tornou mais e mais infeliz e cativo, na sua queixa, obediência e dever se tornaram um peso e o trabalho, uma escravidão.
Esse filho de repente aparece como uma pessoa, orgulhosa, alguém que permaneceu profundamente escondido de estar crescendo e se fortalecendo ao longo dos anos. O filho mais velho fica fora do círculo de amor, recusando-se a entrar, a luz no seu rosto no quadro de Rembrandt mostra que ele também é chamado à luz, mas não pode ser forçado. O filho não tem mais um irmão, nem também um pai, ambos passaram a ser estranhos para ele, o seu irmão um pecador e seu pai um senhor dos escravos.
Marciano Vidal , ao explicar a figura do filho mais velho em uma de suas obras mais recentes salienta que “a parábola do filho pródigo questiona a atitude fundamental do filho mais velho, cheio de virtudes, porém carente de amor” considerando que ele não havia compreendido o que significava viver em casa como filho, pois possivelmente vivia como escravo. Decerto, o filho mais velho é o protótipo dos fariseus que escutavam essa parábola e todos os homens religiosos que são obedientes e serviçais, mas que, na verdade, são mesquinhos, fechados e egoístas. Esses, como o filho mais velho, fazem tudo perfeitamente mas só extremamente pensando que deste modo serão fiéis a Deus.
Joaquim Jeremias , salienta que a parábola se endereça a homens que parecem justamente com o irmão mais velho, com os que escandalizam com a nova proposta anunciada por Jesus: o amor que reconcilia os homens entre si e com Deus; que é propriamente a prática misericordiosa. Conforme Álvaro. Barreiro , todo sistema religioso construído pelo filho o é abalado quando ele vê o comportamento do pai em relação a seu irmão. Isso pelo contrário, deveria ser também para ele um motivo de alegria, mas na verdade, é uma ameaça a própria segurança, pois, fechado em si mesmo, só olha para si, para suas obras, para sua observância dos preceitos, por isso não há nele a alegria da comunhão para a vivência da filiação e da fraternidade.
O filho acusa o pai de injustiça por causa de sua bondade, como alguém que apóia e admite a conduta irresponsável do irmão mais novo. Por isso, de acordo com sua mentalidade “o justo é menosprezado e o pecador festejado”, ele porta consigo ao mesmo tempo a carência afetiva, a autocompaixão, a inveja e o ressentimento que favorecem-no em seu agir, em suas palavras e atitudes. Com a figura do filho mais velho nos é apresentado pela parábola uma outra faceta presente em nós, seres humanos, quando já nos consideramos “justos” e providos de todas as qualidades possíveis para sermos autênticos na fé que abraçamos. Com a parábola, o evangelista quer nos mostrar que sempre necessitamos da Graça, isto é, da presença de Deus em nós para sermos verdadeiramente justos. Isso, todavia, começa com a humildade, com o reconhecimento de que somos imperfeitos, por isso nem sempre fieis. Quando isso ocorre, impera em nós a conversão, o filho mais velho não se afastou da casa, mas não estava ligado ao pai nem mesmo afetivamente, por isso, ele viveu mais distante do pai do que o filho mais novo quando esse se encontrava num país longínquo.
No que se refere ao mérito que tanto os fariseus almejavam, o mesmo argumento usado pelo filho mais velho, também é usado pelos trabalhadores da vinha (Mt 20, 1-16). Como o administrador foi fiel com os trabalhadores, dentro do que fora combinado, o pai é fiel com o filho, pois o outro (filho pródigo) não deixou de ser filho dele. Há, por conseguinte, na mentalidade do filho mais velho e na dos fariseus a relação de comércio, prática-recompensa que define o senso de justiça tido por eles. Com efeito, Jesus apresenta a eles não apenas o cumprimento de normas como meio de santificação, mas a bondade e a generosidade que vão além da justiça, até mesmo aprimoram-na.
À medida que o filho mais velho for morrendo em nós, uma nova criatura irá surgir para celebrar as festas.





























2.2.3 O PAI AMOROSO



v. 20-24: o meio desta parábola, o encontro com o pai, o pai mostra sua atitude amorosa, a pesar de ter sido ferido na sua dignidade de pai pela decisão do seu filho, porque vai ao seu encontro com compaixão. Estava esperando ele, porque o avistou “quando ainda estava longe”. O amor verdadeiro é espera confiante e apaixonado do filho. O amor às vezes pode se tornar exortação e suplica, mas sempre respeitosa da liberdade do outro, nos verbos “abraçou-o, cobriu-o de beijos”, dois gestos pelos quais os cristãos de Éfeso vão exprimir sua grande afeição por Paulo (At 20,37), onde mostram a atitude deste pai, encontramos também umas características psicológicas que se aproximam mais daquelas da mãe e nos lembra aquilo que diz Deus ao profeta Oséias: ”meu coração se contorce e minhas entranhas se comovem.” (Os. 11,8) e ainda “quando Israel era criança, eu o amei... Quanto mais os chamava, mais se afastavam de mim... eu ensinei a Efraim a andar e o levei em meus braços, mas eles nem percebiam que eu cuidava deles. Com correias de amor os atraia, com cordas de carinho. Fui para eles como que levanta uma criatura até o rosto; eu me inclinava e lhes dava de comer” (Os, 11,1-4); o abraço sara todas as feridas, privação e misérias sofridas pelo filho durante o tempo de separação, este versículo representa a humanidade inteira que volta aos braços do pai; o Jovem abraçado e abençoado pelo pai é um homem pobre, deixou a casa com orgulho e dinheiro, resolvido a viver sua própria vida longe de seu pai e sua comunidade, voltou sem nada, sem dinheiro, saúde, honra, amor ... Tudo havia dissipado. Um dos grandes desafios da vida espiritual é o de receber o perdão de Deus, onde exige uma absoluta aceitação para deixar Deus ser Deus e fazer toda a cura, restauração e reparos. É a expressão humana da misericórdia divina, o amor do Pai abrange todo o seu sofrimento humano, encerra toda a humanidade, o toque de suas mãos, irradiando uma luz divina, deseja somente curar, restaurar a vida.
João Paulo II afirma : ”tratava-se, com efeito, do seu próprio filho, e esta relação não podia ser alienada nem destruída, fosse qual o seu comportamento. O pai do filho pródigo é fiel a sua paternidade, fiel ao amor que desde sempre tinha dedicado ao seu filho. Tal fidelidade manifesta-se na parábola não apenas na prontidão em recebê-lo em casa, quando ele voltou depois de ter esbanjado a herança, mas sobretudo na alegria e no clima de festa tão generoso para com o esbanjador que regressa”
O pai não leva o assunto do filho por via legal, como previa para os filhos incorrigíveis:”seu pai e sua mãe toma-lo-ão e o levarão aos anciãos da cidade a porta da localidade onde habitam e lhes dirão: este nosso filho é indócil e rebelde; não nos ouve, e vive na embriagues e na dissolução. Então, todos o apedrejarão até que ele morra.” (Lev. 21,19-22), Túnica, anel e sandálias simbolizam a dignidade de filho que através do perdão e da compaixão o pai restituem ao filho; túnica – era usada nos dias de festas para hospedes ilustres e reis, a melhor qualidade, o filho recupera sua identidade e sua dignidade de filho, anel – poder sobre tudo o que o pai tem, sandálias – hospedes tiram, filhos põem para entrar em casa, escravos andam descalços, pessoas livres e de condição social calçam sandálias, homem livre, novilho – só em momentos de festas especiais; isto mostra quanto o pai desejava retirar todos os impedimentos e oferecer ao filho uma celebração como nunca antes tinha havido.
Joaquim Jeremias ao fazer a interpretação destes termos comenta que isso lembra José, filho de Jacó (Gn 41,42) quando ele é introduzido como grão-vizir do Egito. Para Jeremias, a veste festiva significação no oriente de “salvação”, ou seja, por uma nova veste é figurado que a pessoa que a usa está salva. A entrega do anel denota a entrega de plenos poderes. Com ele o filho recebe o poder de representar o pai e selar contratos, como verdadeiro herdeiro diz Álvaro Barreiro , já os sapatos são um luxo, uma vez que somente os homens livres porem usá-lo. Isso demonstra que o filho não deve andar de pés no chão, pois assim andam somente os escravos. Além da túnica nova, anel, do sapato, o pai manda matar um novilho gordo (v.23). Tal atitude do pai tem a significação exegética de que o filho voltou á casa, retornou á mesa na condição não de servo, mas de filho. R. Fabris e B. Maggione mencionam que para ser semelhante ao pai, o filho só pode ser livre, e esses três símbolos: túnica,anel e sandália, são representações da liberdade.
Além disso, o pai cobriu-o de beijos (v.20). Beijar é, na Sagrada Escritura meio de transmitir afeto como é, por exemplo, o perdão paterno. O beijo no rosto, na cultura da época, significava igualdade e comunhão, por isso se beijava somente os filhos e não os escravos,Barreiro , Disto decorre que o filho é recebido com a dignidade de filho e não de empregado como esperava ele mesmo, em suas angústias quando viesse ao encontro do pai.
Nos versículos 22-23 apresentam uma sucessão de sete verbos que exprimem outros tantos procedimentos: Ide depressa, trazei a melhor túnica (1), revesti-o com ela (2), ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés (3), trazei o novilho cevado e (4), matai-o (5), e comemos e (6) festejemos (7), isto seria um acaso ou como no Bom Samaritano (Lc 10,29-37), uma maneira de sublinhar que o pai fez tudo graças ao simbolismo da plenitude ligada ao número sete, que, aliás, Lucas conhece? Seja como for o tipo de procedimentos descritos já aponta para a linha de superabundância. Assim, não basta que se traga uma túnica: tem que ser a “melhor”. Não basta dizer que o filho retoma seu lugar: é preciso expressá-lo restituindo o anel ou o selo (daktylion) que lhe confere todos os poderes. Não basta passar-lhe as sandálias; devem ser os calçados (hypodemata), mocassins de luxo como só usam personagens importantes em circunstâncias excepcionais. Para o banquete do reencontro, não basta ter no cardápio um novilho – que para o gosto do mais velho teria amplamente bastado – deve ser o novilho cevado, animal que se cria durante longos meses em vista de uma refeição única dos grandes dias. Justamente, não basta preparar uma boa refeição, tem de ser um festim (verbo euphraino) como só os ricos podem dar-se ao luxo de fazer, e que o filho mais velho nunca viu na casa de seu pai (v. 29s). e, como se não bastasse, vê-se o pai contratou os serviços de uma orquestra instrumental (symphonia) . Decididamente, o filho mais velho não resmunga sem alguma razão... (v. 29s).
Por parte do Pai, a fidelidade a si próprio – traço característicos já conhecido pelo termo “hesed” do Antigo Testamento. O filho mais velho estava no campo, essas duas palavras valem muitas frases e bastam para apresentá-lo: é o filho fiel e responsável que realiza seu trabalho cotidiano na fazenda da família, além disso, indica-se que é um dia comum, uma jornada de trabalho como as outras, o que torna ainda mais insólitos os exageros do pai e faz compreender o espanto, no começo intrigado, depois raivoso (v. 28).
João Paulo II afirma: “a fidelidade a si próprio por parte do pai – traço característico já conhecido pelo termo no Antigo Testamento”hesed” – exprime-se de modo particularmente denso de afeto. Também um outro termo usado no Antigo Testamento “rahamim” . Lemos, com efeito, que, ao ver o filho pródigo regressar a casa, o pai, movido de compaixão, correu ao seu encontro, abraçou-o efusivamente e beijou-o. Procede deste modo levado certamente por profundo afeto”.
Como já foi mencionado, na parábola o pai é tido como protagonista central devido sua atitude para com os filhos. Mas isso não é por acaso. Termino esta parte do Pai amoroso com uma frase de Chiara Lubich, do movimento dos folculares “é preciso dilatar o coração e torná-lo capaz de acolher a todos na sua diversidade, com os seus limites e misérias” .



Conclusão



Qualquer que tenha sido a minha experiência de identificação seja com o filho mais novo ou com o filho mais velho, minha vocação é o amor, onde tenho que exercer uma paternidade espiritual para tantos filhos que estão perdidos, onde precisam de minha acolhida, compreensão, carinho e em especial minha Misericórdia.
Coloco algumas semelhanças entre as ações do filho pródigo e aspectos da vida de Jesus tais como: Ele nascido não de espécie humana, do desejo ou da vontade da carne, mas do próprio Deus, um dia chamou a si tudo o que estava debaixo dos seus pés e partiu com sua herança, seu título de Filho e o preço do resgate. Partiu para um país distante... A terra longínqua... Onde se tornou como são os seres humanos e esvaziou-se. O seu povo não o aceitou e seu primeiro berço foi um berço de palha! Como uma raiz num chão árido, cresceu diante de nós, foi desprezado, o mais íntimo dos homens, diante de quem escondemos a nossa face. Bem cedo, ele conheceu o exílio, a hostilidade, a solidão ... Depois de ter perdido tudo numa caminhada de total doação, seu valor, sua paz, sua luz, sua verdade, sua vida ... Todos os tesouros de conhecimento e sabedoria e o mistério escondido mantido secreto por tempos sem fim; depois de ter-se perdido entre os filhos transviados de Israel passando seu tempo com os doentes “e não com os afortunados”, com os pecadores “e não com os justos”, e até com as prostitutas a quem prometeu o Reino dos Céus; depois de ter sido tratado como glutão e bêbado, como amigo dos cobradores de impostos e dos pecadores, como um Samaritano, um possesso, depois de ter ofertado tudo, até o seu corpo e seu sangue, depois de ter sentido profunda tristeza, angústia e a alma dilacerada; depois de ter chegado ao limite do desespero tão bem expresso na cruz, onde o Pai o teria abandonado, distante da fonte de água viva, e de onde, crucificado, Ele exclama: “Tenho sede”. Desceu a mansão dos mortos e, então ao terceiro dia, levantou-se das profundezas do inferno carregando os crimes de todos nós, nossos pecados, nossos sofrimentos. De pé, exclamou: “Sim, estou ascendendo ao meu Pai e ao seu Pai, ao meu Deus e ao seu Deus”. E subiu aos céus. Então, no silêncio olhando para seu Filho, e todas as suas criaturas, uma vez que o Filho tinha se tornado tudo em todos, o Pai disse aos seus servos: “Depressa! Tragam a melhor veste e o cubram, ponham um anel em seus dedos e sandálias em seus pés, vamos comer e festejar! Porque os meus filhos que, como vocês sabem, estavam mortos voltaram à vida; estavam perdidos e foram encontrados! Meu Filho Pródigo os trouxe todos de volta”. Eles todos começaram a festejar vestidos em seus trajes longos, que se tornaram imaculados no sangue do Cordeiro.
Do mesmo modo como não sei como o filho mais jovem aceitou a comemoração, ou como passou a viver com o pai depois de sua volta, também não sei se o filho mais velho se reconciliou com seu irmão, com seu pai, ou com ele mesmo, o que conheço, com certeza plena, é o coração do pai, é um coração capaz de compaixão sem limites, só do alto pode vir minha cura onde Deus se debruça, o que não é possível para mim é possível para Deus “com Deus, tudo é possível”, esta não é uma história que separa os dois irmãos, o bom e o mal, somente o pai é bom, ele ama ambos, o amor de Deus não depende de nosso arrependimento ou de nossas mudanças internas e externas, o único desejo de Deus é o de me fazer voltar para a casa, o amor sem reservas, ilimitado, é oferecido inteiramente e igualmente a ambos os filhos. Essa história é a de um Deus que me procura e não descansa até que me encontre, ele insiste e suplica, ele me pede que deixe de me apegar a estados de espíritos que levam a morte e me deixe alcançar por braços que me carregarão para o lugar onde encontrarei a vida que mais desejo. A parábola é uma história que fala de um amor que existiu antes que qualquer rejeição fosse possível e permanecerá depois que todas as rejeições tenham existido. É o primeiro e o eterno amor de um Deus que é Pai e Mãe, é a fonte de todo o amor humana verdadeiro, mesmo o mais limitado.
O mesmo Deus que sofre por causa do imenso amor pelos seus filhos é o Deus que é rico em bondade e misericórdia (Ef 2,4), se me abro à imagem de um Deus de bondade e perdão, devo dar provas, à imagem de Deus, de bondade e perdão, se deixo entrar na minha vida um Deus que acolhe bem os pecadores, devo tornar-se como ele. “Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso” •••, e perdoar como Deus significa mostrar-se como ele aberto ao perdão, mas também, sem dúvida, tornar-se capaz de perdoar da mesma maneira que ele. Quando o caçula voltou, a acolhida do pai foi incondicional, nada de repreensões, nem interrogatório, nem mesmo um “eu te perdôo” lançado de cima, mas simplesmente: ele voltou, está em meus braços, festejemos. Disso ainda se revela incapaz o irmão mais velho que julga e condena: “teu filho que consumiu teus bens com prostitutas”, perdoar e perdoar como Deus: essas duas facetas do mesmo ideal estão ligadas na parábola como estavam no discurso da planície:
Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso:
Não julgueis, para não serdes julgados;
Não condeneis, para não serdes condenados;
Perdoai e vos será perdoado (Lc 6,36s).
H. Nouwen , apresenta três aspectos da paternidade misericordiosa de Deus: dor, perdão e generosidade que são transmitidas na parábola pelas atitudes do Pai. Entretanto, “... só quando recordo que sou filho amado sou capaz de acolher aqueles que querem voltar com a mesma compaixão com o que o Pai me acolheu”. Por isso, havia uma “desigualdade” entre os filhos.
A misericórdia é o “olhar paternal de Deus” para conosco, não somos dignos de abundante amor já que muitas vezes parecemos não ser “imagem” desse Deus que é misericórdia, mas do “filho mais novo” ou do “filho mais velho” que é ainda pior, considerando que, freqüentemente fundamentados nossa vida em apenas “cumprir” normas e leis humanas e esquecemos do essencial: amar permanentemente e sem distinção! Eis a nossa vocação cristã! O Papa João Paulo II consagrou o terceiro milênio a Misericórdia e antes desta consagração ele mesmo disse na canolização de Santa Faustina como a primeira santa do terceiro milênio que: a luz da misericórdia divina, iluminará o caminho dos homens do terceiro milênio.
O perdão, portanto, manifesta que o amor é fundamental para o ser humano afirma-se como “ser humano”. Quando ele ocorre, quem perdoa e quem é perdoado se encontram num único aspecto: a dignidade, que é um valor essencial do homem que não podemos perder de vista, mas no momento em que o perdemos, o seu reencontro é sinal de incontável alegria, como é visto na parábola.
Concluo com a Palavra de vida de nossa comunidade, na certeza de poder levar a todos da qual encontro essa Misericórdia do Senhor e poder ser este Pai que abraça a humanidade que sofre, o amor Misericordioso do Senhor é capaz de transformar nossa vida radicalmente:

O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu ele me consagrou pela unção para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a libertação da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor “(Lc 4, 18-19)” .

“Evangelizar para transformar, transformando cada evangelizado em evangelizador” , conforme as palavras que Jesus disse a Santa Faustina: “os maiores pecadores, se acreditarem na minha Misericórdia, se tornarão os maiores santos”.

Somos chamados a ser ponte de Misericórdia, Até os confins do mundo.

























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quinta-feira, 16 de julho de 2009